Na primeira coluna do ano na Revista ZUM analiso a construção da imagem do presidente Bolsonaro, da estética amadora da campanha à imagem governamental. Discuto sua retórica visual e como ela se inscreve em um novo imaginário da história oficial pautado nas e pelas redes.

___________

Feicebuqui, Feicebuqui, Whatizape, Whatizape!!! Com essa saudação inédita em qualquer posse presidencial, a imprensa foi recebida por manifestantes na Esplanada dos Ministérios, no dia 1° de janeiro de 2019, em Brasília. A saudação fazia jus ao estilo do novo titular da pasta, Jair Messias Bolsonaro. Nas suas redes sociais o presidente deixa claro que elas não foram apenas meios de acesso ao poder. Mais que veículos de comunicação pessoal, as redes são o seu principal canal institucional e o lugar de construção de sua imagem. Imagem essa que é a linguagem pela qual está sendo escrita a história oficial de seu governo.

Com cerca de 24 milhões de seguidores, distribuídos entre suas contas no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, o 38° presidente da República é o político com maior número de aliados digitais entre os latino-americanos. E isso é resultado de um trabalho milimétrico e militante, labutado entre teclados e câmeras que percorreram os mais diversos ambientes durante sua campanha presidencial. De gabinetes a salas de estar, passando pela cozinha, a churrasqueira de casa, o caixa automático, e até seu leito na UTI quando esteve hospitalizado.

Completam o quadro muitas lives, um recurso oferecido pelo Facebook para transmissão de vídeo em tempo real. Nessas falas ao vivo, ganha força um regime visual que fez toda a diferença nas regras do jogo político que o presidente Bolsonaro protagoniza. São imagens precárias, por vezes fora de foco, feitas com câmeras mal posicionadas, iluminação descuidada, ângulos distorcidos e que dominaram suas aparições.

Nesses vídeos, ao fundo, é comum aparecer de um lado uma menorá, o candelabro judaico que é também parte da liturgia evangélica, do outro, uma moringa de barro, símbolo tão singelo da cultura nacional. Sobre a mesa, objetos variados: papéis com anotações, notas fiscais, livros de e/ou sobre  político britânico Winston Churchill, tratados anti-marxistas e celulares diversos. O que dá o tom a tudo é uma certa desarrumação geral, com cara de cenário improvisado, sempre constante nessas gravações.

Estética amadora

Retoma-se aí a estética amadora consolidada pela apropriação da linguagem do vídeo caseiro que explodiu com o YouTube e que surge como estratégia de aproximação do “mundo real”. Discutida em profundidade por críticos como Ilana Feldman e Felipe Polydoro, essa estética pretende se contrapor ao imaginário tecnicamente perfeito do padrão hollywoodyano (ou da rede Globo) de qualidade, pela supressão de mediações. Como se a imagem produzida fosse um decalque do real, sem qualquer interferência dos meios que a produzem e de quem os instrumentaliza. É nessa idealizada contraposição que reside a eficácia da estética amadora.

Um dos vídeos mais acessados do seu movimentado canal no YouTube é aquele em que, via celular, Bolsonaro fala, às vésperas do primeiro turno, com a população na avenida Paulista. Nele, todas as afirmações feitas até aqui são levadas ao limite. Com sombra no rosto, contra a luz, oratória pra lá de mediana, em um vídeo gravado em pé no jardim, tentando ver as imagens que lhe mostravam, em outro celular, o então candidato levou seus eleitores ao delírio.

Diante das (próprias) câmeras, Bolsonaro ri, fica sério, desafia “a mídia”, prepara o pão com leite condensado do seu café da manhã, vai ao açougue e faz churrasco, aparece no barbeiro, posa com a filha, descansa no sofá, compartilha mimos recebidos de seguidores anônimos. De camiseta esportiva, shorts, e mesmo de terno e gravata, já no posto de presidente, ele não fala com seu eleitor, ele o exprime. E ao exprimi-lo, conforme escreveu Roland Barthes, comentando a fotogenia eleitoral em seu livro Mitologias, transforma-o em um herói, convidando o eleitor a eleger-se a si próprio.

Reprodução de tela do Instagram de Jair Bolsonaro.

Continua