Visitei a videoinstalação Îles flottantes (Se Monet encontrasse Cézanne, em Montfavet), no Instituto Moreira Salles, do artista escocês Douglas Gordon (1966), que também tem uma exposição em cartaz na Galeria Marília Razuk, em São Paulo, e comentei em minha coluna Ouvir Imagens, na Rádio USP, no dia 23/4.

Nessa videoinstalação, que só foi montada uma vez, em 2008, na França, o vídeo se transforma em pintura e a pintura dialoga com o audiovisual. Nela aparecem duas características recorrentes no trabalho de Douglas Gordon: as referências a grandes mestres da história da arte e a pesquisa sobre a imagem em seus múltiplos formatos e linguagens.

Douglas Gordon ficou internacionalmente conhecido com 24 hour Psycho, de 1993, em que reduziu a velocidade do famoso filme Psicose de Hitchcock até transformá-lo em uma peça de 24 horas de duração. Ao colocar esse filme clássico de suspense na extensão de um dia, Gordon recortava temas que depois se tornaram marcantes na sua obra: a memória do observador e os limites da percepção. Não só reconstruía seu sentido pelo novo arranjo temporal, mas confrontava o espectador com níveis de detalhes imperceptíveis na sua sequencia normal.

Outras videoinstalações famosas são Between Darkness and Light (After William Blake) (1997), em que projetou em cada lado de uma tela semi-transparente dois filmes sobre garotas manipuladas por forças ocultas, O Exorcista (1973) e A Canção de Bernardette (1943), e Play Dead; Real Time (2003), em que uma elefanta de circo, Minnie, circulava em grandes projeções e deitava, como se estivesse morta e levantava. E só para arrematar, ele assina, com Philipe Parreno, o longa metragem Zidanne, filmado com 17 câmeras simultâneas em um estádio, e esteve na 29a Bienal de São Paulo, com Pretty Much Every Film, uma espécie de arquivo-instalação, em que apresenta 82 vídeos em uma coleção de 100 monitores de tubo catódico. Não foi por acaso que Douglas Gordon entrou para a história como o primeiro artista a receber o prestigioso Turner Prize por uma videoinstalação.

Play Dead; Real Time (2003) – Tate and National Galleries of Scotland. © Douglas Gordon.

Nessa obra em particular, Ilhas Flutuantes, como chama a atenção o curador do projeto no Brasil, o professor Lorenzo Mammi, Douglas Gordon faz um contraponto entre a produção de dois pintores, Paul Cézanne (1839-1906) e Claude Monet (1840-1926), estabelecendo um campo de tensão entre a transparência dos reflexos do jardim inundado, marca de Monet, e os volumes e a concentração luminosa, marca de Cézanne.


Imagens da Videoinstalação de Douglas Gordon. Îles flottantes, (Se Monet encontrasse Cézanne, em Montfavet), 2008 © Studio lost but found / VG Bild-Kunst, Bonn 2018

Mas há aqui, também, um outro procedimento que vale a pena destacar. A contaminação entre pintura impressionista e vídeo. Isso me chamou muito a atenção na projeção. Os movimentos são quase imperceptíveis, muito mais sutis que em um quadro impressionista. Vez ou outra algo se move e, subitamente, descobrimos uma forma nova de olhar o vídeo: como se fosse pintura. E vice-versa.

Douglas Gordon
Îles Flottantes no IMS-Paulista
I will, if you will… (Exposição de Douglas Gordon na Galeria Marilia Razuk)

Transcrição da coluna semanal Ouvir Imagens, transmitida pela Rádio USP.
Acesse a playlist no arquivo da Rádio USP.
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