O artista e professor Raimo Benedetti acaba de lançar pela Editora Sesi-SP um livro que é um presente para o olhar: Entre Pássaros e Cavalos (Marey, Muybridge e o pré-cinema). O livro tem prefácio da Professora da ECA-USP, Patricia Moran, e parte de uma coincidência: a data de nascimento, 1890, e morte, 1904, desses dois personagens essenciais para compreender a história do cinema e da fotografia contemporânea.
O fisiologista francês Etienne-Jules Marey é o inventor da cronofotografia, um processo de análise do movimento através de fotografias sucessivas. O fotógrafo inglês, radicado nos EUA, Eadward Muybridge é o pai da fotografia instantânea e sequenciada. São famosas na internet hoje, as séries de Muybridge que decupavam o movimento de cavalos correndo.
Essas séries foram feitas onde hoje está localizado o campus da Universidade Stanford, que leva o nome de seu fundador e que foi o mais importante cliente de Muybridge.
A motivação de Stanford era de ordem econômica. A marcha de um cavalo, na época, era a fonte de informação para a criação de um motor e poderia responder perguntas-chave para a mecanização da produção. O objetivo era capturar o momento em que o cavalo estava com quarto patas no ar, que é o ponto de mais alta potência. Esse processo é impossível de registrar a olho nu e a fotografia ainda era um processo extremamente lento e manual e Muybridge teve que mecanizar esse procedimento. Para realizar essa série instalou 12 câmeras fotográficas lado a lado para fazer fotos sequenciais.
São esses experimentos de Muybridge que inspiraram o cientista Marey a utilizar a câmera como instrumento de laboratório. Marey era médico e toda sua trajetória profissional foi dedicada a desvendar os movimentos fisiológicos, como a respiração e as contrações musculares.
As pesquisas de Marey também estavam relacionadas a esse universo da otimização do trabalho. Um de seus objetivos era desvendar os por quês da fadiga e dos impactos traumáticos gerados pelo esforço muscular e estabelecer regras de postura e padrões ergométricos, muitos dos quais são usados até hoje.
Marey inventou um dispositivo, que integrava o mecanismo do relógio a uma câmera fotográfica, acoplados a um rifle, que foi utilizado nas suas famosas séries de pássaros. Esse dispositivo é considerado um protótipo da câmera cinematográfica.
Além de narrar em paralelo a vida e obra de Marey e Muybridge, descrevendo o encontro que tiveram em Paris, quando os dois tinham 51 anos, o livro é entremeado por inúmeras imagens e ilustrações de dispositivos óticos e cinéticos do século 19.
Ponto alto desse projeto editorial é que vem acompanhado de uma série de entrevistas com curadores e pesquisadores, além de registros em vídeo dos acervos de museus especializados que Raimo Benedetti visitou para escrever o livro. Todo esse material é acessível via QR-Codes distribuídos ao longo do volume.
É uma obra fundamental para compreender a história das imagens técnicas nas suas interlocuções com a indústria e a ciência. Uma história que desemboca nessa arte decisiva da experiência visual do nosso tempo, o cinema.
Transcrição da coluna Ouvir Imagens, de Giselle Beiguelman, veiculada toda segunda-feira, às 8:00, pela Rádio USP (93,7).
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