Visitei À Nordeste, no Sesc 24 de maio e recomendo. Com curadoria de Bitu Cassindé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos, a exposição traz no seu próprio título uma ambiguidade. Grafado com crase, À Nordeste pode ser lido como “à moda do Nordeste”. No falar, pode ser entendido como nordeste no feminino, indicando questões sobre diversidade e mais obviamente, aquilo que fica na direção nordeste. Essa ambiguidade não é casual.
A exposição parte de uma provocação do artista cearense Yuri Firmeza “A nordeste de quê?”para discutir as relações entre centralidades e periferias no Brasil e no mundo.
Uma das motivações do projeto dos curadores foi a eleição de de 2018, que acirrou um debate sobre a região, pela contraposição política que expressou configurando-se nitidamente como um foco de resistência às plataformas do então candidato Bolsonaro.
Não foram poucos os preconceitos e clichês que tomaram as redes nessa época, associando o nordeste e os nordestinos com atraso cultural atávico e terra amaldiçoada pela seca por ser território do pecado e da insurreição.
Uma outra história da arte
É uma exposição política, mas não partidária. É política no sentido de nos fazer pensar o Brasil, outras matrizes culturais e a violência da produção social de nossa história.
Para além do estopim das últimas eleições, a mostra evidencia a riqueza do Nordeste como centro irradiador de linguagens e espaço de produção simbólica e crítica, que se expressa na obra de mestres artesãos e de artistas que operam no circuito do mercado, seja no das artes visuais, seja o da música ou do cinema.
São pontos altos, para mim, os cruzamentos feitos entre obras dos mais variados repertórios, como incríveis carrancas de madeira e sua releitura em fibra de vidro por Tadeu dos Bonecos, como capacete e adereço de motocicleta.
Isso lado a lado com obras como as de Ayrson Heráclito, Tiago Sant’ana (no destaque) e Caetano Dias, e ao som do Mangue Beat de Recife, nos faz pensar que é mais que urgente pensar em uma outra História da Arte, capaz de dar conta dessa diversidade cultural, superando as oposições tradicionais entre artesanato/artefato e arte, cultura popular e cultura erudita, alta e baixa cultura e reelaborando as constelações estéticas que constituem a arte brasileira nas suas intersecções e particularidades em relação ao mundo.
Eu fico por aqui e deixo vocês com o Maracatu Atômico de Jorge Mautner e Nelson Jacobina na versão de Chico Science e Nação Zumbi.
A exposição fica em cartaz até 25 de agosto no Sesc 24, de 3a a Domingo.
Transcrição da coluna Ouvir Imagens, de Giselle Beiguelman, veiculada toda segunda-feira, às 8:00, pela Rádio USP (93,7).
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