Hoje completa um ano do incêndio do Museu Nacional. E essa data tem a muito a nos dizer. Assistir ao Museu Nacional ser consumido pelas chamas foi testemunhar um memoricídio.

“Memoricídio” é um neologismo que significa “a intençã deliberada de destruir todos os traços de existência cultural e histórica de uma nação em um determinado território.”

Vivemos o clichê de sermos um país pacífico, de encontro dos povos. Mas
isso nunca existiu. Somos um país racista, preconceituoso e misógino. Uma
cultura de ódios velados e naturalizados contra os indígenas, contra os
negros, contra os judeus, contra os muçulmanos, contra os homossexuais,
contra os transgêneros, contra os nordestinos, contra as mulheres.

Memoricídios e apagamentos

A história do Brasil traz tanto o extermínio da memória como o apagamento do outro, ambos os apagamentos inscritos nas suas páginas desde os primórdios da colonização. Somos exímios memoricidas. O Museu Nacional e seu incêndio evidenciam nossa relação com a história e a memória.

Não há nada tão paradoxal como tornar-se guardião de uma perda que não
deixa rastros. Transmitidas ao vivo, na noite de 2 de setembro de 2018, as imagens da implacabilidade do fogo e do desespero dos docentes, alunos e funcionários diante da tragédia irreversível deixaram todos atônitos.

O que se perdeu foi muito mais do que o prédio e seu acervo. Subtraiu-se
um pedaço do conhecimento que estava reservado também às próximas
gerações. É ireversível. E a despeito dos louváveis esforços que têm sido
feitos em torno da campanha Museu Nacional Vive, o que nós vemos ainda são as enormes dificuldades de captação de recursos e a dificuldade, que não é menor, em lidar, com a estimativa da perda substancial de um dos mais importantes acervos do mundo…

O incêndio do Museu Nacional, portanto, revela muito de como lidamos, no Brasil, com o nosso patrimônio. A cultura, e seus orçamentos ínfimos, é uma triste recorrência política. Desse ponto de vista, o incêndio do Museu Nacional é a triste metáfora dos nossos impasses. O que fica, além dos seus escombros, é a pergunta, que tipo de futuro podemos sonhar, quando desprezamos tão sistematicamente o nosso passado? Como lidar com o presente, quando nos recusamos a refletir sobre nosso passado traumático? Que essa data fúnebre que agora entra para o nosso calendário, como dia do incêndio do Museu nacional, funcione para imaginar outros futuros.

Comments (1)
  1. carla scritt

    julho 29, 2020 at 17:19

    BRASIL, BRASA, LAMAS E CINZA
    UM LODAÇAL VINDO E RECUANDO A TODO MOMENTO, TUDO EM TERRENO INSTAVEL. tUDo iNCERtO NADA deu CErtO ATÉ HojE REPubliCa, deMOCr aciA, EcoNOMia, mORADia. Contruir a Memória no Restos de Cinzas, escavando lamas e mergulhando em caçambas de lixos de luxos esquizurbanos.

Comments are closed.