Nas últimas semanas muito se falou sobre o caso do Facebook e da Cambridge Analytica. Tratei do assunto na minha coluna Ouvir Imagens, na Rádio USP, nesta segunda-feira, 26/3. Falei sobre como esse escândalo traz à tona uma das questões centrais da nossa época: a da privacidade na era da vigilância compartilhada. Nós somos hoje bancos de dados ambulantes que doamos informações a partir das nossas rotinas nas redes sociais e via os aplicativos que usamos.
Recapitulando: informações de cerca de 50 milhões de usuários do Facebook foram obtidas pela Cambridge Analytica a partir de um aplicativo que oferecia um teste psicológico aos usuários, chamado “this is your digital life” (essa é sua vida digital). Com esse aplicativo, foram capturadas não só informações dos participantes do teste, mas também de todos os amigos relacionados a aquele perfil no Facebook. Ninguém sabia que isso aconteceria, nem tinha ideia que essa massa de dados seria usada para eleger Donald Trump.
Várias reportagens análises foram publicadas e vêm esmiuçado o caso sob diferentes aspectos, inclusive analisando as reações do Facebook ao problema. O que é importante frisar aqui é que ninguém foi coagido a fornecer esses dados. Não houve vazamento de informações, nem roubo de identidades ou assalto a perfis.
Espaços de compartilhamento, como o Facebook, são também máquinas de registro de todos os nossos passos e atividades, e que ganham mais força pelo seu caráter relacional, pela forma como essas informações estão integradas aos dados de nossos amigos e às páginas que acessamos.
A vigilância na era dos Likes
Uma série de artistas e ativistas da rede discutem em suas obras e projetos a vigilância na era dos Likes há quase 10 anos. Face to Facebook, dos italianos Alessandro Ludovico e Paolo Cirio, de 2011, foi o primeiro. Em um dia eles conseguiram acessar e roubar os dados pessoais de 1 milhão de perfis do Facebook e comprovar vulnerabilidade das políticas de privacidade dos dados, na época, ainda muito mais frágeis que hoje.
Mais recentemente, Hang Duc e Regina Mir, criaram o Data Selfie. Uma extensão para o navegador que permite visualizar as informações que são registradas enquanto você está no Facebook, desde quanto tempo você ficou em cada post que acessou, quais conteúdos você acessa, quando acessa e muito mais. A pergunta que esse “Data Autorretrato” nos faz é: como esses dados serão usados para prever nossas ações e comportamentos?
Para tentar atrapalhar a mineração de dados comportamentais, Ben Grosser desenvolveu o Go Rando (2017). Seu foco são os ícones de reações que o Facebook no fornece para expressar nossos sentimentos sobre posts, links e fotos.
Além de individualizar nossas respostas, essas reações permitem um mapeamento mais preciso dos perfis e, portanto, direcionamento de publicidade e mensagens. O Go Rando interfere na seleção. Você clica que curtiu, o programa substitui randomicamente por outra reação, pretendendo, com isso, complicar o processo de registro dos seus dados. Vale a pena testar.
http://www.face-to-facebook.net/
https://bengrosser.com/projects/go-rando/
Transcrição da coluna semanal Ouvir Imagens, transmitida pela Rádio USP.
Acesse a playlist.
Textos anteriores.
Ouça esta coluna