Formatos emergentes reinventam os modos de difusão das imagens e anunciam o cinema da era da conexão

 Nunca tantas imagens foram produzidas. E, mais importante, nunca foram colocadas tantas imagens em circulação. A popularização das câmeras digitais e a multiplicação dos canais de distribuição explicam essa situação. Mudam com isso modos de produzir e consumir vídeo e cinema, implicando novas concepções de imagem e circuito, como o Open Video e o Cinema 4K.

O Open Video não é um formato, mas um sistema que engloba a discussão de parâmetros e princípios para garantir o desenvolvimento, a distribuição e a criação de vídeo online em plataformas livres e em formatos de código aberto.

O debate ganhou força com o HTML 5, atualização da linguagem que está por trás do conteúdo na internet (o HTML), que pretende eliminar a necessidade de plugins para visualização de conteúdo multimídia (como vídeos e animações em Flash).

O Cinema 4K é um cinema digital de altíssima definição, com uma resolução de mais de 8 milhões de pixels. Na prática isso quer dizer 4 vezes a definição da imagem em vídeo HD e 24 vezes a das imagens que vemos na televisão.

Apesar de ser uma forma de imagem idealizada para projeção em telas de grande dimensão, já começa a se infiltrar na Internet e alguns vídeos produzidos com essa tecnologia podem ser assistidos no YouTube.

Contudo, dependem ainda de monitores bastante grandes, não muito comuns, e de placas de vídeo poderosas, além de bandas de transmissão de altíssima velocidade que impedem ainda a fruição da ultradefinição desses vídeos na web.

Estas duas tendências têm pesquisadores relevantes no Brasil e mostram, como fizeram Ivana Bentes e Erick Felinto, em um livro recente, que é tempo de pensar a ecologia das imagens digitais, refletindo sobre a cadeia de produção e o consumo em relação às estéticas que engendram e aos seus contextos de recepção.

Em entrevista a Trópico, Diego Casaes, Pedro Markun e Daniela B. Silva, membros do Mozilla Drumbeat no Brasil, “ciberlaboratório” de Fundação Mozilla, falam do Open Video e das iniciativas a ele relacionadas. Na sequência, conversamos com Jane de Almeida e Cícero Silva, da equipe de coordenação do projeto 2014K, que pretende transmitir a próxima Copa em 4K.

São inúmeras possibilidades que se abrem, com apenas uma certeza: a realidade das imagens, entre telas de pequeno, médio e grande formato, está sendo reinventada.

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O VÍDEO NA PRIMEIRA CLASSE

Uma das razões, possivelmente, para a explosão do vídeo na internet é o fato de sua produção e sua publicação dispensarem conhecimentos de programação. Isso muda com o Open Video? Além do domínio da câmera e do processo de edição, será necessário dominar o HTML5?

Diego Casaes, Pedro Markun e Daniela B. Silva: Na verdade, com o HTML5, o processo de se colocar um vídeo dentro de uma página web fica muito mais fácil, tão fácil quanto é hoje colocar uma imagem. Por outro lado, esse novo padrão permite realizar uma série de operações complexas com o vídeo sem a necessidade de um processo de edição. Para isso, claro, o internauta vai precisar dominar o HTML5 e outras tecnologias abertas como e SVG, mas essas são apenas possibilidades de uso avançado, e não condicionantes para quem só quer publicar seu vídeo na web.
Do ponto de vista estético, o que muda no vídeo com o HTML5?

A grande revolução do HTML5 é que a partir de agora, o vídeo é considerado um “first class citizen” em uma página web. Quer dizer, ele é tão simples de implementar e tão maleável quanto qualquer outro objeto web, uma imagem, um link, um texto…

Sozinho, o elemento não traz muitas novidades para quem já está acostumado com o Youtube e outros players em flash, mas, quando combinado com formatos abertos, como Canvas, SVG, CSS3, e outras tecnologias que também fazem parte da especificação do HTML5, ele ganha novo gás e podemos fazer coisas como aplicar efeitos, trabalhar com formas…

Em síntese, o vídeo não precisa mais ficar preso àquele suporte retangular de 480 x 360 e pode adquirir rotação e outros efeitos de transição, por exemplo. Tudo isso acontecendo em tempo real e podendo ser alterado dinamicamente com o uso, de recursos de programação específicos.

Com essas novas possibilidades a mão, é sensacional que artistas, cineastas, videomakers se envolvam no processo, ajudando a criar novas pirações conceituais que podem de fato transformar a experiência de vídeo na internet.
Uma das possibilidades que vem sendo explorada com a explosão do vídeo online é a criação coletiva. Como é o projeto do documentário colaborativo que vocês estão preparando e que foi desenvolvido no FISL (Fórum Internacional Software Livre), em Porto Alegre, entre 22 e 24 de julho de 2010?

O Web Made Movie Sprint tem a seguinte proposta: nos dois primeiros dias de FISL, uma equipe de videomakers (parceiros da Casa do Cinema, em Porto Alegre) trabalham em captação e edição de imagens sobre o Fórum –que é uma superexpressão dos valores da internet aberta e livre. No terceiro dia, os hackers de vídeo podem usar essas imagens pra experimentar novas possibilidades de trabalhar com na web.

O cineasta Brett Gaylor, do filme “RIP – Remix Manifesto” vai coordenar o processo com colaboradores do Brasil. Ele também participa e lidera o projeto Web Made Movie na Drumbeat –um laboratório de inovação que junta videomakers e hackers justamente para transformarem juntos o que é o vídeo na internet.

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4K, O CINEMA EM GRANDE ESCALA

Vocês apresentaram recentemente, durante a Copa do Mundo, em Johanesburgo, um filme 3D em ultradefinição. Essa apresentação está relacionada ao projeto de vocês de transmitir a Copa de 2014 em 4K?

Jane de Almeida e Cícero Silva: O que apresentamos é um filme-demo do projeto 2014K -com imagens captadas em Porto Alegre da final do campeonato gaúcho no dia 2 de maio, entre Grêmio e Internacional. Foram necessárias duas câmeras Red One, presas em um Rig especial para este tipo de câmera, em uma montagem estereoscópica que durou seis horas só para o setup das câmeras e que pesam por volta de 150 kg. Disponibilizamos no nosso site o making of.

Trabalhamos com o estereógrafo Keith Collea, que tem feito vários trabalhos em Hollywood em 3D (ele trabalhou com James Cameron em “Titanic”, fez “Iron Man” etc.), mas esta foi a primeira vez que filmou um jogo de futebol em 3D com câmeras Red (4K).
Como o público reage?

O público sempre reage muito bem ao 3D. As pessoas tiram os óculos, tentam tocar as imagens. Exatamente como nos primeiros cinemas, quando elas iam atrás da tela verificar o truque. Temos a impressão de que dificilmente esta tecnologia será deixada de lado e que talvez, no futuro, nossos filhos dirão: “Como as pessoas viam antes em 2D?”.

Desde que começamos este projeto (nós e Eunezio A. de Souza – Thoroh), temos em mente o seguinte: este pode ser um deslocamento importante do campo visual, exatamente como o que aconteceu com a perspectiva no pré-renascimento e com os aparelhos ópticos no meio e no fim do século 19.

Talvez, inclusive, nossos olhos consigam ver uma imagem “tresderizada” no futuro. Isto já pode ser percebido em algumas demonstrações de 3D light, quando tiramos os óculos. Nossa imagem-chave é a do filme “Les Carabiniers” (1963), do Godard, na qual o personagem, que está num cinema, vai até a tela e a rasga para poder tocar a moça tomando banho!
Já existe alguma estrutura para a disponibilização dos jogos em cinemas aqui no Brasil, em 2014?

Nada ainda. O que temos são vários parceiros no exterior que querem participar do projeto. A ideia é que cada cidade-sede veja esta transmissão de seus jogos. Algumas delas já têm conexão, outras deverão ser preparadas.
Como as emissoras de TV estão reagindo a essa possível concorrrência? E os fabricantes de TV para imagem 3D?

Não concorremos com emissoras de TV, pois a projeção ultrapassa a resolução exigida por telas pequenas. Estamos falando de telas de 8 m X 10 m, no mínimo. Porém, as emissoras podem se beneficiar no futuro com as experiências de transferência de dados de imagem com alta resolução entre seus setores. Essa é uma pesquisa estratégica para um país com as dimensões continentais como o Brasil.
Numa época em que tanto se enaltece o filme “on demand”, que pode ser assistido em casa, por que revitalizar a sala de cinema?

Pelo tamanho da tela, pela experiência coletiva, por ser algo que retoma o espaço público, que pode vir a interferir nas cidades, recolocar o papel das projeções em grandes proporções…. Pode dialogar com a arquitetura, com as questões urbanas. É um pouco como a experiência do evento Arte/Cidade, que interfere nos espaços urbanos e cria novas significações para eles. E, com o futebol, isto pode ser percebido com bastante freqüência: as pessoas preferem ver jogos com outras pessoas. Todos têm TVs, mas as salas com telões ficam sempre cheias.
link-se

Open Video Alliance – http://www.openvideoalliance.org

Guia do Vídeo OnLine – http://culturadigital.br/videoonline/

Jane de Almeida – Oito milhões de pixels em imagens de quatro quilates: 4K – http://www.scribd.com/doc/4005477/4K-imagens-de-4-quilates

What’s bigger than 1080p? 4K video comes to YouTube – http://youtube-global.blogspot.com/2010/07/whats-bigger-than-1080p-4K-video-comes.html

Ivana Bentes e Erick Felinto. “Avatar: O Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais” – http://www.editorasulina.com.br/detalhes.php?id=504

Mozilla Drumbeat – http://www.drumbeat.org/

2014K – http://www.2014K.org/

WebMadeMovies – http://www.drumbeat.org/webmademovies/

RIP – A Remix Manifesto – http://ripremix.com/

Les Carabiniers (Tempo de Guerra), de Jean-Luc Godard – http://www.imdb.com/title/tt0056905/

Publicado em 26/7/2010 originalmente em Trópico.

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