Acabo de voltar de Berlim onde visitei uma exposição do Ars Electronica inteiramente devotada ao uso crítico da Inteligência Artificial por artistas.
Dois trabalhos me chamaram particularmente a atenção: The Normalizing Machine e VFRAME (Visual Forensics and Metadata Extraction).
The Normalizing Machine (2018), do artista israelense Mushon Zer-Aviv , questiona os métodos de padronização algorítmica dos sistemas de reconhecimento facial.
É uma instalação interativa na qual cada participante é apresentado a uma conjunto de quatro vídeos de outros participantes gravados anteriormente e é solicitado a apontar o visual do mais normal entre eles.
A pessoa selecionada é examinada por algoritmos que adicionam sua imagem a um banco dados projetado em uma parede que reproduz as pranchas antropométricas do criminologista francês Alphonse Bertillon, pai do retrato falado, e que depois serviram de base para a eugênia.
É surpreendente ver em segundos nossa imagem esquadrinhada em medidas de olhos, boca, orelhas, e computada com as centenas de outros participantes.
O projeto discute não só o que e como a sociedade estabelece como padrão de normalidade, mas como os processos de IA podem, eventualmente, amplificar as tendências discriminatórias que as antigas teorias antropométricas calçaram séculos atrás.
VFRAME: visão computacional e direitos humanos
O outro projeto é VFRAME (2018), do artista estadunidense, baseado em Berlim, Adam Harvey. É um conjunto de ferramentas de visão computacional para pesquisadores de direitos humanos. Nesse projeto, Harvey está trabalhando com o Arquivo Sírio, uma organização dedicada a documentar crimes de guerra e abusos de direitos humanos.
O foco é a identificação em vídeos captados nas zonas de guerra de bombas de fragmentação, um artefato que carrega diversos explosivos e por isso é definido como uma arma contêiner. É uma das criações mais horrendas da Alemanha nazista e que continua sendo usada nas guerras do Oriente Médio. O uso mais intenso desse dispositivos atualmente é feito na Síria.
O VFRAME usa modelagem 3D e fabricação digital, combinados a um software que é ainda um protótipo, mas inclui ferramentas capazes de organizar, classificar e extrair metadados de 10 milhões de quadros-chave de vídeos em menos de 25 milissegundos, identificando nesses vídeos a presença das bombas de fragmentação.
O objetivo é preencher a lacuna entre a inteligência artificial de última geração usada no setor comercial e torná-la acessível e adaptada às necessidades de ativistas de direitos humanos e jornalistas investigativos comprometidos com um futuro orientado para a paz e a proteção da vida.
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Imagem: Protótipo do VFRAME para identificação de bombas de fragmentação desenvolvido para o Arquivo Sírio.