Assisti Divino Amor, do diretor Gabriel Mascaro, e posso dizer que é um filme perturbador. A história se passa no Brasil em 2027. O país se tornou um espaço dominado pelas tecnologias de controle e pelo moralismo religioso.
A festa popular principal não é mais o carnaval, mas por festas gospel, ultra high tech com luzes e som eletrônico, onde os fiéis se acabam nas pistas em glória ao senhor. As praias já não são mais o que eram. As mulheres estão todas de roupas fechadas, com leggings, saias e blusas de manga comprimida. Só os homens podem circular de sunga e sem camisa.
Na entrada dos lugares públicos, as pessoas são escaneadas e um painel informa se são casadas, divorciadas e se as mulheres estão grávidas. Nesse panorama distópico, a religião e suas cerimônias e encontros são os grandes (e únicos) espaços de convívio social. Não existem mais Igrejas ou espaços de cultos. Os fiéis são atendidos por um pastor em sistema de drive thru. Ao invés de recebr seu Big Mac, recebem conselhos e na janela do carroe tem direito a “download” de hinos e em casos extremos podem ser encaminhados ao CAF Centro de Atendimento aos Fieis.
Há uma total perda de limites entre público e privado. Isso se escancara a partir da rotina da protagonista, Dira Paes — estupenda — uma escrivã responsável por certificar os divórcios, mas que usa sua função para tentar salvar os casamentos prestes a se desfazer.
O filme é importante não só pelo alerta que faz em relação ao futuro próximo, mas também porque coloca em pauta uma discussão sobre o cinema brasileiro atual.
Divino Amor e a Ancine
Isso nos remete à discussão sobre a Ancine, mas não só. Há poucos dias, o presidente manifestou em uma de suas lives no Facebook, o desejo de extinguir a Ancine, sobre o que já voltou atrás. Até porque isso tem que passar pelo pelo parlamento. Um dos motivos para extinguir a Agência Nacional de Cinema seria que não cabe ao Estado “patrocinar o cinema.” É bom deixar claro que a Ancine não é responsável pela produção de filmes, mas é uma agência reguladora.
Contudo, transferiu o Conselho Superior do Cinema (CSC) da estrutura do Ministério da Cidadania para a Casa Civil.
Um dos argumentos para essa mudança era que não poderia admitir que dinheiro público fosse utilizado em filmes como Bruna Surfistinha.
Não foram poucas as manifestações sobre essa declaração, chamando a atenção para a importância do cinema como indústria e potencial para a geração de empregos. Mas eu gostaria de incidir sobre outro ponto. Cinema é muito mais que indústria e emprego. Cinema é uma forma de pensar o mundo, como deixa claro o filme de Gabriel Mascaro que comentei hoje aqui.