A investigação que levou aos suspeitos de matar a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foi feita no espaço informacional. Foi provavelmente a primeira investigação policial da era da pós-virtualidade no Brasil.
A investigação foi feita a partir da análise e interpretação dos sinais dos celulares e do acesso aos arquivos que estavam guardados nas nuvens digitais, ou seja em servidores remotos. A investigação não se baseou em interceptação telefônica, mas em quebra de sigilo de dados.
Como se sabe, a arma e o carro utilizados no crime, que podemos chamar de uma execução, nunca foram encontrados. E todas as pistas que sobraram foram encontradas no espaço informacional, por métodos que num extremo exprimem a sofisticação das filtragens dos experts e, no outro, os elementos básicos que estão relacionados ao cotidiano de praticamente qualquer pessoa com um celular.
A polícia partiu de um universo muito grande de busca: 33 mil linhas de celulares ligadas às 2248 torres existentes no trajeto que Marielle fez na noite do crime. O que permitiu refinar esse número foi uma imagem obtida a partir de uma câmera de vigilância da rua em que Marielle participava de um evento naquela noite.
A imagem mostrava um objeto brilhante que parecia ser um celular, em um carro Chevrolet Cobalt prata, que batia com as características que se tinha do veículo dos suspeitos. Até aí estamos no campo da expertise policial.
Mas o celular por ter sido usado, como qualquer outro aparelho, é registrado automaticamente na empresa. Afinal é assim que nossa conta de celular é gerada. Pelo tempo de uso e se está ou não dentro de sua área de cobertura, ou seja, revelando aproximadamente sua localização (o que pode ser refinado com a associação do dispositivo ao GPS, coisa que geralmente ocorre). Nesse ponto, adentramos no uso cotidiano do aparelho.
Mini brother is watching you
Isso permitiu reduzir o universo de busca a 318 linhas. Uma delas, registrava uma ligação para o número do PM Ronnie Lessa, que já era suspeito nas investigações. A partir daí, foi solicitada a quebra de sigilo dos seus dados. Pelo acesso às buscas de Lessa na internet, verificou-se que ele seguia eventos de Marielle e fez buscas por armas, silenciadores entre outras informações alguns dias antes do assassinato da vereadora.
Apesar de não ser suficiente para esclarecer a perguntar que não quer calar: quem mandou matar Marielle?, a investigação foi um grande passo no processo de desvendamento do crime.
Mas o que aconteceu aí deixa claro também que vivemos no mundo do mini brother is watching you, em que somos bancos de dados ambulantes que deixamos pegadas e rastros de nossa atividades em servidores de todo tipo.
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Imagem: #designativista