Nem bem começou a gestão de Ana de Hollanda no Minc vem dando o que falar ( e o que protestar ). O primeiro ato de repercussão foi a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura.
O argumento inicial que coisas públicas são públicas e não necessitam lastro de licenças me parece absolutamente correto. Contudo, a alternativa de trocar a licença Creative Commons por uma advertência – “O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte”, conforme se lê no rodapé do site – é pior.
Sou muito mais Andre Gorz que Lawrence Lessig. Ou seja, interessa-me muito mais a anarquia potencial e corrosiva dos hackers – os dissidentes do capitalismo digital, como Gorz define em O Imaterial – que as estratégias de acomodação, dentro da legalidade, da cultura do compartilhamento.
Em síntese, minha posição é por deixar tudo aberto e copyleft, sem gradações e matizes que criam esferas do que é permitido e o que não é, e correr o risco de fomentar a dissidência e redirecionar os processos.
Se o Minc quiser apostar na ética do compartilhamento e da autorregulação que sempre imperou na Internet, limando a licença CC, tem todo meu apoio e certamente de muitos outros. Se for para direcionar a discussão para o âmbito da privatização da cultura estou/estamos fora.
Uma entrevista concedida pela Ministra Ana de Hollanda à Folha de S. Paulo justifica essa dúvida e corrobora a hipótese de Rodrigo Savazoni e de outros pensadores/ativistas que admiro muito (como Cícero Silva, Andre Lemos, Ronaldo Lemos, Ivana Bentes, Caribe, Sergio Amadeu, Erick Felinto, Henrique Antoun, entre vários outros que por algum lapso não cito), chamando a atenção, com diferentes enfoques, para o fato de que o “caso da licença CC” já indicava um deslocamento político que fazia jus ao ECAD e a uma visão comercial velhaguardista da cultura.
Confesso que insisti por um bom tempo em acreditar que essa era uma visão redutora do problema e que a Ministra estava mal assessorada no tema. Afinal as coisas públicas (especialmente conteúdos disponibilizados nos sites dos órgãos governamentais) são bens comuns e não demandam nenhuma licença de uso (muito menos advertências!) .
Mas a entrevista de Ana de Hollanda à Folha me obriga a repensar minha posição e convida a uma reflexão mais acurada. Nessa entrevista, a Ministra fala sobre a recém-criada Secretaria da Economia Criativa. Defende que “tratar a cultura como indústria vai permitir emancipar o mundo da criação e livrá-lo dos “vícios” das leis de incentivo.”
Ivana Bentes aponta com clareza as implicações desse racicíonio quando afirma “É claro que temos que repensar a Lei Rouanet, do Audiovidual e outras, mas não existe sustentabilidade sem financiamento nem muito menos Indústria. A questão não é criar nova mediação industrial e “profissionalizar” os artistas PARA a Indústria. Há uma inversão total. Ao invés de financiar o precariado/artistas, o autônomo, o novo Minc se propõe a financiar o Capital, a Indústria!”
A discussão sobre Economia Criativa é estratégica, ninguém discorda. Mas ela não pode ser feita sobre uma perspectiva tradicional, retomando velhos modelos de produção industrial. Tem que ser feita investindo nas possibilidades que se abrem nos circuitos de criação pós-industrial, como o mercado de apps tem demonstrado.
Nesse contexto, o que poderia ocupar o debate sobre Economia Criativa seriam outras políticas culturais (e não modelos industriais). Políticas comprometidas, por exemplo, com mais investimentos nos Pontos de Cultura, refletindo sobre eles como estratégias para fomentar as dissidências criativas e novas formas de politizar a cultura em todas as suas instâncias e vertentes.
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Daniel de Souza Telles
fevereiro 15, 2011 at 01:43
Cultura não é bem, cultura é cultura. Tem que bater nesta tecla. Eu não entendi muito bem o que a ministra quis dizer, ela disse pouca coisa com muita coisa. Por outra perspectiva no lado econômico a ideia dela, irrelacionada às nossas de livro fluxo cultural, cauda longa e incentivos à recriação e liberdade criativa, não seria desenvolver uma indústria cultural nacional tornando o nosso país menos dependente – e vulnerável – da importação cultural e também um promissor exportador de culturais?
Estamos seguindo à risca um manual para se tornar a nova potência mundial? Essa fase capitalista, deixando a ideologia de lado, não seria uma parte importante para o desenvolvimento de uma infraestrutura cultural unificada e genuinamente brasileira?
As licenças Creative Commons são licenças também restritivas, que só fazem sentido num universo como o nosso do copyright (totalmente restritivo e automático). Como na prática esse copyright não é tão respeitado e por fora da indústria vicencianos no geral a prática do tudo liberada, o CC seria apenas baboseira jurídica? Notando que na prática o CC se manifesta como uma licença freeware genérica, utilizada para a divulgação dos conhecidos portfolios.
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Cicero Inacio da Silva
fevereiro 15, 2011 at 10:55
Oi Giselle, já que fui citado, achei melhor comentar um pouco o que tenho visto em relação à postura do novo MinC. Bem, sobre a licença, concordo com você. Uma marca é uma marca. Já em relação a economia criativa, bem, isso daria um bom debate e não poderíamos deixar de levar em consideração as inúmeras reflexões já feitas por aqui, inclusive com a participação de organizações que agora são citadas como referência pelo MinC, ou seja, pelas instituições britânicas etc. O que sabemos é que a política de Tony Blair não foi a melhor coisa que aconteceu na Inglaterra. Ao se transformar “arte” em commodities, muitas coisas se alteram. A primeira e mais importante é que quando se decide falar em “economia criativa” há uma outra aproximação “filosófica” em curso, que se desvia da concepção Hegeliana de “patrimônio cultural” e “imaterial” de uma nação, com seus museus, óperas, circuitos públicos musicais para uma liberal que não atribui valores históricos às criações e, consequentemente, trata tudo como se fosse mercadoria (Jacques Rancière ajuda a pensar como isso se dá e os perigos dessa postura…). Nesse aspecto, temos que cuidar para que a “economia criativa” não acabe com os já parcos recursos dos museus, dos pontos de cultura, das manifestações tradicionais da cultura, entre outras coisas. Creio que seria interessante ao MinC estudar e analisar inúmeros documentos que tratam de relatar como foi afetado o circuito de artes inglês com tais decisões, que inclusive acarretaram no ato mais irônico da história da arte da última década, o leilão das obras de arte realizado pelo próprio artista Damien Hirst (http://www.huffingtonpost.com/2008/09/16/damien-hirst-auction-fetc_n_126993.html) que rendeu 200 milhões de dólares. Enfim, as commodities em ação na arte levam a isso? Se sim, o que vai ser da arte? Os textos do evento sobre Economia Criativa que auxiliei a produzir, junto com Felipe Machado e inúmeras outras pessoas, podem ser acessados aqui: http://issuu.com/virtueelplatform/docs/qaf e mais detalhes sobre o evento que ocorreu, pasmem, em 2009 no MIS, aqui: http://www.mis-sp.org.br/icox/icox.php?mdl=mis&op=programacao_interna&id_event=242 . Uma pessoa que poderia explicar melhor como não cair nessas armadilhas é Bronac Ferran, que está sempre atenta ao que acontece nesse campo.
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Almandrade
fevereiro 17, 2011 at 23:48
*A CULTURA, A ARTE E A POLÍTICA CULTURAL*
Nas chamadas políticas culturais emergenciais, na maioria das vezes, são
discursos onde a cultura não passa de uma fantasia, uma miragem no fim do
túnel. Como ela não é assunto prioritário, foi transferida para a iniciativa
privada. Os investimentos visam retornos, fala-se em números, percentuais,
nas leis de renúncia fiscal, sem uma idéia clara de cultura e seu papel na
sociedade. Todo mundo se acha no direito de opinar, o patrocinador, o
empresário, o político, o produtor cultural, o professor universitário, o
curador etc. menos o artista e os que trabalham diretamente com as práticas
artísticas, os operários da linguagem.
Depois da descoberta tardia que a cultura não se restringe às linguagens
artísticas, as práticas acionadoras do pensamento crítico passaram a ser
vistas com desconfiança, “coisas de elite”, foram marginalizada e o
entretenimento passou a ser o centro do financiamento público. A festa
passou a ser o alvo dos investimentos públicos e privados em detrimento da
cultura pensamento.
O que deveria ser uma política pública de cultura? Uma pergunta oportuna em
momentos de transição política, quando as reivindicações reaparecem e as
disputas por cargos públicos emergem. Antes de ser um problema de economia,
de leis de incentivo, de política partidária, a cultura é um dispositivo da
cidadania, um direito básico que deve fazer parte da formação do sujeito. “A
cultura é coisa do homem que mora num certo lugar e num certo tempo” (Gerardo
Mello Mourão). Portanto, antes de falar dos reduzidos recursos econômicos
destinados à área cultural, é estratégico se pensar em intervir
culturalmente no modelo de desenvolvimento que afeta o meio ambiente, as
condições materiais, sociais e culturais de uma comunidade.
Uma política de cultura deve primeiramente levar em conta o quanto ela
contribui para o imaginário das pessoas, tornando-as capazes de assumir
decisões nas suas vidas. Que ela é uma forma de relacionamento com o mundo e
seu cotidiano, antes de ser uma mercadoria e um objeto da política. Relegada
à condição de entretenimento, passou a fazer parte das diversões, regida
pela economia da cultura. E tudo que faz a economia crescer, que gera
emprego e renda é ético nesta sociedade onde o emprego é cada vez mais
difícil. Mas a ética e lógica da cultura é outra. Se a diversão faz a
economia crescer, atende a demanda de habitantes, e turistas carentes de
lazer, poucas vezes contribui para o aumento e transformação do repertório.
O homem vive entre a natureza e a cultura. E a cultura é uma construção do
homem. Um trabalho. Resultado de um longo caminho. Cada cidade, estado ou
região tem uma cultura que lhe é própria e múltipla. Uma política de cultura
deve garantir a liberdade das diversas manifestações, sem qualquer
interferência, e transferir as decisões para quem faz cultura, quem conhece
as particularidades das linguagens, quem diretamente lida com o patrimônio
material e imaterial que faz o acervo de uma cultura.
E quando se fala de artes, produtos diversificados e delicados e ao mesmo
tempo conhecimentos específicos que fazem parte de uma cultura, o político,
o produtor ou o atravessador deve ser substituído pelo técnico ou o
especialista do metié. E uma instituição que trabalha com as artes tem como
princípio estimular a liberdade de expressão e não servir com extensão de
outras políticas ou de outras instituições.
*Almandrade *
*(artista plástico, poeta, arquiteto e presidente da Associação de Artistas
Visuais da Bahia)*
—————————————————————————————-
The Culture, Arts and Cultural Policy
What should be a public policy for culture? A timely question in times
of political transition, reappear when claims and disputes emerge for
public office. Before becoming a matter of economics, legal
incentives, party politics, culture is a device of citizenship, a
basic right that should be part of subject. . “Culture is a thing of
the man who lives in a certain place and at a certain time” (Gerardo
Mello Mourão). So, before talking on reducing economic resources for
the cultural area, is strategic thinking in cultural intervention in
the development model that affects the environment, the material,
social and cultural conditions of community.
A political culture must first take into account how much it
contributes to people’s imagination, making them capable of taking
decisions in their lives. That it is a form of relationship with the
world and their daily lives, rather than being a commodity and an
object of politics. Positioned as entertainment, has become part of
the fun, governed by the economics of culture. And everything that
makes the economy grow, which generates jobs and income is ethical in
this society where employment is increasingly difficult. But ethics
and logic of culture is something else. If the play makes the economy
grow, meeting the demand of residents and tourists in need of
recreation, rarely contributes to the growth and transformation of the
repertoire.
Man lives between nature and culture. And culture is a building of
man. A job. It’s a result of a long way. Each city, state or region
has a culture of its own and multiple. A political culture must
guarantee freedom of the various manifestations, without any
interference, and transfer decisions for those who make culture, who
knows the peculiarities of the languages, who deals directly with the
material and immaterial heritage that makes the body of a culture.
And when it comes to art, delicate and diversified products and at the
same time, specific knowledge that are part of a culture, the
politicians, the producer or the cultural merchant should be replaced
by technical or a expertise of that area. And an institution that
works with the arts is to stimulate the principle freedom of
expression and not serve as extension of other policies or other
institutions.
Almandrade
————————–
ALMANDRADE is the owner of a style in which minimalism is the guide of
his aesthetics, and he works on the poem like someone who lapidates a
diamond. He is one of the creators of the Group of Language Studies in
Bahia which edited the magazine Semiótica in 1974.
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Jarbas Jácome
fevereiro 28, 2011 at 17:08
Aqui um artigo excelente sobre o assunto, com foco maior no mercado nacional de cinema. Tomei conhecimento através da lista do estudiolivre:
http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm
abraço.
jjR
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