"Poétrica"
dá ao público controle da cidade
DIEGO ASSIS
da Folha de S.Paulo
14/10/2003
"Se você pudesse escrever qualquer coisa em três
painéis eletrônicos de São Paulo, um no meio
da r. da Consolação, outro na av. Rebouças
e outro no meio da av. Paulista, o que escreveria?"
As
respostas começam a ser recebidas hoje pela ciberartista
Giselle Beiguelman, 41, que conectou três grandes painéis
da cidade ao seu projeto "Poétrica" (www.poetrica.net)
e agora promete colocar nas mãos do público o controle
remoto desses "televisores de 40 m2".
A idéia
é simples: você acessa o site do projeto pelo computador
ou manda um "torpedo" de celular para os números
especificados, digita a sua mensagem e, voilà, tem a sua
"obra" exibida no trânsito para centenas de pessoas
que estiverem passando pelo local.
Ao
todo, serão 180 inserções diárias por
um período que vai de hoje (das 20h às 20h30) a 8
de novembro (diariamente, das 16h às 20h30). Dez segundos
de "fama" a cada um minuto e meio.
"Gosto
de provocar essa polêmica sobre quem é o artista, esse
gênio, esse iluminado que faz a sua obra. A idéia é
criar um contexto para que qualquer um ocupe o meu lugar",
explica Beiguelman, cuja proposta é transformar cada mensagem
--de até no máximo 60 caracteres-- enviada em um texto
escrito com fontes não-fonéticas, o que criaria um
novo significado ao texto inicial.
"Eu
não trabalho com estética. O que me interessa são
os limites entre o público e o privado, a arte e a propaganda,
a imagem e o texto. Se todo mundo começasse a mexer em todos
os painéis, a querer mexer na cidade inteira, a vida seria
muito mais legal, muito mais anônima, mais criativa."
Possibilitadas
pelo consentimento --e sob cobrança-- da Eletromídia,
administradora dos telões, as teleintervenções
da artista começaram no ano passado com os projetos "Leste
o Leste?" e "Egoscópio", que ganhou crítica
no jornal "The New York Times" e despertou a atenção
de pelo menos 15 mil pessoas do mundo todo, que conseguiram deixar
seus recados nos painéis de São Paulo.
Processo-arte
"É
sempre uma adrenalina saber que você vai colocar na rua um
trabalho que, em três minutos, pode se tornar completamente
diferente daquilo que você imaginou inicialmente", conta
Beiguelman, que, apesar da pequena exposição no Brasil,
teve seus trabalhos apresentados em mais de 30 mostras internacionais,
incluído aí o Kulturforum, de Berlim, que em fevereiro
recebe uma versão certamente modificada do mesmo "Poétrica".
É
a arte-processo dos anos 60 virando processo-arte nos 00: "Tenho
as exposições marcadas, mas as pessoas nunca têm
como saber o que vou mostrar. A única coisa que dá
para adiantar é: 'Olha, vou precisar de um DVD, uma impressora
A3, três conexões de internet' e por aí vai...".
Além
de estar no endereço dos painéis, "Poétrica"
poderá ser vista na Galeria Vermelho, como parte da exposição
"3 Teses e 1 Hipótese", que começa hoje
com outros três trabalhos orientados por Beiguelman, também
professora de pós-graduação em semiótica
da PUC-SP.
As
inserções serão transmitidas por meio de seis
webcams instaladas nas imediações dos painéis
e estarão disponíveis ainda no website do projeto.
Quem
estiver nas imediações não vai ficar imune:
"É uma mancha urbana muito grande em volta da galeria.
É difícil que quem vier aqui [na galeria] não
passe, na ida ou na volta, por um desses painéis". E
a cidade observa.
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